Cão Preto Gou Zhen
Depois de dez anos na prisão, Lang regressa à sua cidade natal no noroeste da China, agora quase abandonada e prestes a ser arrasada para dar lugar a um complexo de fábricas. No esforço de limpar a cidade antes dos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008, Lang apenas consegue encontrar trabalho na caça aos cães vadios. Um cão preto e perigoso, com uma alta recompensa de captura, morde Lang. Os dois ficam isolados para evitar a propagação do vírus da raiva e desenvolve-se uma amizade entre eles. Através do retrato profundamente sincero da relação entre o homem e o animal, o filme conta uma história de redenção e renovação.
Coimbra - Medeia Teatro Académico de Gil Vicente
21:30Lisboa - City Alvalade
17:25, 19:20, 21:45Porto - Cinema Trindade
21h30Porto - Medeia Teatro Campo Alegre
21:30Setúbal - Medeia Cinema Charlot
21:30Lisboa - City Alvalade
17:25, 19:20, 21:45Porto - Cinema Trindade
21h30Porto - Medeia Teatro Campo Alegre
21:30Setúbal - Medeia Cinema Charlot
21:30Festivais e prémios
Festival de Cannes 2024 – Un Certain Regard – Melhor Filme
Festival de Varsóvia – Prémio Crème de la Crème
Festival de Valladolid – Prémio Ribera de Duero de Melhor Realização, Melhor Fotografia
LEFFEST 2024 – Lisbon Film Festival – Selecção Oficial em Competição – Prémio do Júri
Crítica
Financial Times (Jonathan Romney)
The Guardian (Wendy Ide)
IndieWire (Christian Zilko)
The Film Stage (Leonardo Goi)
Time Out (Phil de Semlyen)
Actores e ficha técnica
Elenco: Eddie Peng, Chu Bu Hua Jie, Youwei Da, Jia Zhang-ke
Argumento: Guan Hu, Rui Ge
Direcção de Fotografia: Weizhe Gao
Produção: Jing Liang, Justine O, Wenjiu Zhu
Distribuição: Leopardo Filmes
Biografia do realizador
Guan Hu nasceu em 1968, na China. Filho de uma actriz de teatro e de um actor de cinema, Hu cresceu numa família ligada à sétima arte, o que lhe despertou a vontade de seguir uma carreira no cinema. Em 1991, licenciou-se na Academia de Cinema de Pequim. Três anos depois, realizou a sua primeira longa-metragem Tou fa luan le, considerado um dos principais filmes da “sexta geração” do cinema chinês, da qual fazem parte realizadores como Jia Zhang-ke e Lou Ye. Esta geração surgiu nos anos 90 e as suas obras são caracterizadas pela atenção à vida contemporânea e o foco nas comunidades marginalizadas numa China a sofrer profundas transformações económicas e sociais. Os filmes seguintes de Hu são maioritariamente filmes comerciais sobre a história militar chinesa, com tons patrióticos, como Lao pao er (2015), Ba bai (2020) e Jin Gang Chuan (2020). O seu filme mais recente, Gou Zhen, estreou no Festival de Cannes, em 2024. Vencedor da secção Un Certain Regard, o filme marca o regresso de Hu às suas origens no cinema independente chinês.
Entrevista com o realizador Guan Hu
Os seus filmes são conhecidos por terem uma acuidade muito realista e, ao mesmo tempo, uma forma de expressão abstracta. A que categoria pertence Cão Preto?
Eu diria que, acima de tudo, se trata de um filme de autor. Um filme nascido da minha observação pessoal e através do qual examino as mudanças ocorridas na China ao longo de cerca de vinte anos. Assim como as suas consequências, positivas ou negativas, no indivíduo.
Vivendo na China, fui testemunha do desenvolvimento que se deu no país ao longo das últimas décadas. Sempre tive curiosidade em saber como era, durante esse período, a vida das pessoas que viviam fora das grandes cidades ou nas regiões mais remotas do país. Houve, inevitavelmente, pessoas deixadas para trás. O que também me interessava era tentar compreender o que mantinha vivas essas pessoas marginalizadas e o que as ajudava a sobreviver.
Este projecto teve consequências na sua mise-en-scène?
Este filme foca-se na vida de um grupo de aldeões que enfrentam enormes mudanças sociais. Durante o processo de realização, senti que captar e representar a vida dessas pessoas com a maior autenticidade possível transcendia o processo criativo. Optei por uma mise-en-scène depurada e pela simplificação.
A figura animal é recorrente na sua obra. Um cavalo branco em The Eight Hundred (2020), uma vaca em Cow (2009) ou até uma avestruz em Mr. Six (2015)... Desta vez, é um cão...
Se há animais nos meus filmes, é, antes de mais, porque acredito que existe em cada um de nós uma dimensão animal. Uma animalidade que se pode manifestar quando precisamos de demonstrar coragem ou desafiar a autoridade. Como uma espécie de natureza primitiva que muitas vezes escolhemos manter adormecida. O que me parece lamentável.
A personagem de Lang foi marginalizada pela sociedade, tal como o cão que encontra. Ambos foram abandonados... Podemos dizer que são o reflexo um do outro?
São duas almas solitárias, marginalizadas, que escolhem apoiar-se uma na outra. Existe uma antiga lenda chinesa que conta a história da divindade Erlang [divindade da mitologia chinesa que possui um terceiro olho na testa e está associada a heróis que protegeram a população de inundações durante as dinastias Qin, Sui e Jin]. Foi, aliás, em referência a essa lenda que dei ao meu herói o nome de Lang. Erlang é frequentemente representado com um cão esguio e faminto ao seu lado, que alivia a sua solidão enquanto percorre os céus.
Há poucas personagens femininas no seu filme. Com a excepção de Raisin, interpretada por Tong Liya, que terá uma grande influência sobre Lang. Um papel secundário, é certo, mas primordial...
Os papéis femininos são muito importantes nos meus filmes, pois reflectem a resiliência e a maturidade que procuro na minha vida. Neste filme, a forma como Raisin encara a vida é extremamente adulta e ponderada. Ela exerce sobre Lang a influência de uma irmã mais velha. É muito determinada no que diz respeito ao seu futuro. Contudo, esse tipo de vida já traçada não é o que Lang precisa neste momento da sua existência.
Como decorreu a rodagem?
Há muitos animais no filme: cães, tigres, lobos, entre outros. Tivemos de garantir que estes pudessem trabalhar tranquilamente com o elenco. Isso exigiu muita paciência! Por exemplo, há uma cena em que eu queria que o tigre mostrasse a Lang onde o cão preto estava escondido. Claro, parecia impossível de concretizar. Mas, no momento em que começávamos a ficar sem ideias para realizar a cena, o tigre-da-Manchúria levantou-se sozinho e rosnou suavemente na direcção do local onde o cão estava escondido. O actor que interpretava Lang também olhou por cima do ombro naquela direcção e encontrou o cão. Um resultado além das minhas expectativas. Obviamente, não podíamos comunicar com os animais através da linguagem, mas tive a sensação de que, no set, os animais começaram a entender-nos.
Por que escolheu Eddie Peng para interpretar Lang?
Por uma razão muito simples: ele possui aquela ingenuidade animal que eu procurava para o papel. E isso é algo que não se encontra todos os dias. Os actores do filme são profissionais bastante conhecidos pelo grande público. Mas, como o filme se passa no deserto de Gobi e nas vastas extensões do oeste da China, queríamos que eles se integrassem no ambiente e parecessem habitantes locais. Isso foi mais difícil para Eddie, porque ele tem formação como ginasta, é alto, bonito e possui um sentido de moda muito apurado. Uma imagem bastante diferente da do seu personagem. Para aproximar o actor do papel, tivemos de trabalhar e modificar o seu físico, o tom de pele e até os traços do rosto, eliminando aquele lado urbano que ele naturalmente transmite.
Há no seu filme uma cena muito marcante em que todos os habitantes se reúnem numa colina para assistir a um eclipse solar. Qual é o significado dessa cena?
Na verdade, um eclipse solar ocorreu, de facto, em 2008 no noroeste da China. E esse evento foi considerado na altura como um presságio auspicioso na véspera dos Jogos Olímpicos. Queria que, no meu filme, naquele instante preciso, o Sol e a Lua brilhassem juntos. Que o Céu e a Terra se tornassem um só. Como uma forma de exteriorizar as mudanças que estão a acontecer em Lang. Como ele as encara e como essas mudanças lhe permitem reerguer-se. Ao mesmo tempo, os animais escapam do jardim zoológico e vagueiam por uma cidade abandonada. O eclipse criou para eles uma espécie de liberdade temporária, livre de qualquer interferência humana. Vejo isso como a concretização do sonho de Lang.
Como se tornou cineasta?
Os meus pais eram ambos actores. Cresci num set de filmagens. O local onde os meus pais trabalhavam exibia regularmente filmes, mas, como os bilhetes eram difíceis de conseguir, nós, as crianças, forjávamos os nossos próprios bilhetes falsos para ir ao cinema e ver todos os filmes que a nossa geração ainda não tinha tido oportunidade de ver… Essa experiência é, provavelmente, o que mais me influenciou e motivou. Ainda hoje, é o oxigénio que alimenta a minha criatividade.
Em Pela Estrada Fora, Jack Kerouac escreve que as pessoas desejam “fazer-se à estrada” porque são jovens. O que motiva Lang, por sua vez, a “fazer-se à estrada”?
Jack Kerouac também escreveu: "Devemos ir e nunca parar de ir, até que lá cheguemos". A vida rotineira e monótona sufoca Lang e leva-o a recuperar a sua própria dignidade enquanto ser humano. Ele precisa de se reerguer e embarcar numa nova jornada antes que a sua existência o asfixie.