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Mais que Nunca Plus que jamais

Um filme de Emily Atef com Vicky Krieps, Gaspard Ulliel, Bjørn Floberg

Hélène e Mathieu vivem juntos há muitos anos e têm uma ligação profunda. O seu mundo é abalado com a notícia de uma doença. Inesperadamente, Hélène (Vicky Krieps, instintiva, por vezes implosiva, e luminosa – de cortar a respiração) toma a decisão de viajar sozinha para a Noruega, em busca de paz e das suas paisagens, confrontando-se com a doença nos seus próprios termos.


Gaspard Ulliel é sublime neste filme que seria o seu último (o actor morreu num acidente de ski antes da estreia), um filme de amor que explora as fragilidades da vida sem um pingo de lamechice, com uma vertiginosa sensualidade que se sente na química entre os dois actores.

2022 | França, Alemanha, Luxemburgo, Noruega | M/14 | 2h 03min | Drama | Longa-metragem

Festivais e prémios

Festival de Cannes 2022

Selecção Oficial – Un Certain Regard

Crítica

Marie Claire

The Guardian

Positif

«Um filme que é, no seu âmago, uma história de amor.»

The Playlist

«Mais que Nunca tem isso de belo: é um filme sobre a vida apesar da morte.»

Le Dauphiné Libéré (Nathalie Chifflet)

«A abordagem de Emily Atef ao fim da vida evita o melodrama piegas graças à sensualidade luminosa que emana da sua realização e dos seus intérpretes.»

Ouest France (Thierry Cheze)

«Mais Que Nunca de Emily Atef é uma história poderosa cheia de poesia e intimidade em igual medida.»

The Upcoming

Actores e ficha técnica

Com Vicky Krieps, Gaspard Ulliel, Bjørn Floberg


Argumento: Emily Atef, Lars Hubrich
Fotografia: Yves Cape
Produção: Xénia Maingot

Distribuição: Leopardo Filmes

Entrevista com a realizadora Emily Atef

Mais que Nunca (Cannes 2022, secção Un Certain Regard) é o primeiro filme da realizadora franco-iraniana, nascida em Berlin, Emily Atef, a estrear-se em Portugal. Chega às salas a 1 de Agosto e tem como protagonistas Vicky Krieps (com uma fabulosa interpretação) e Gaspard Ulliel, também ele sublime neste que seria o seu último papel (o actor morreu num acidente de ski antes da estreia).
Uma história de agonia que se torna uma história de emancipação, um filme sobre a liberdade no meio da natureza impressionante das paisagens da Noruega. 


– Mais Que Nunca conta a história de uma jovem mulher com uma doença grave que se recusa a seguir o tratamento hospitalar indicado, de forma a poder embarcar numa viagem. Como surgiu o desejo de contar esta história?


Emily Atef – A minha mãe sofreu de esclerose múltipla durante vinte e dois anos, entre os cinquenta e cinco e os setenta e oito. Dois anos depois de ter começado a pensar neste projecto, há mais de dez anos, ela teve um cancro. Éramos muito próximas. Falámos muito sobre o seu estado e ela própria pensava muito em como apoiar as pessoas que estavam doentes, como as ajudar a "deixar-se ir". Durante o período de escrita deste projecto ela estava em sofrimento. Morreu em 2015. Ao longo da sua doença, foi o trabalho no filme que me ajudou a encontrar a atitude certa, a força para lhe dizer, mesmo que isso me custasse: "Não tens de fazer quimioterapia se não quiseres, podes fazer o que quiseres". Desde pequena que penso muitas vezes nesse momento do fim da vida. Como é que posso partir sentindo-me bem? Como é que podemos encontrar a nossa própria forma de lidar com a doença e, se necessário, com a morte? A história de Hélène é sobre isso. 


– A sua trajectória é, contra todas as expectativas, muito luminosa. Havia um desejo claro da sua parte de fazer um filme solar sobre um tema algo fúnebre?


E. A. – Sim. Na nossa sociedade ocidental, a morte é sempre retratada como algo terrível, sombrio, demoníaco. Mas eu nunca a vi assim. Para mim, a morte não é algo macabro e sinistro. Claro que não nego que para nós, os vivos, perder um ente querido é muito triste, é de partir o coração. Mas para a pessoa que está a partir não deveria sê-lo. Infelizmente, na nossa sociedade, a morte tem uma má reputação, e isso é uma pena. Mesmo sabendo que vamos morrer – é a única coisa de que temos a certeza! – preferimos evitar o assunto. Mas devíamos estar a falar sobre isso. Se tenho algo a esperar deste filme, é que os espectadores que o virem queiram talvez discutir este tema com os seus entes queridos. O fim da vida não deveria ser um assunto tabu.


– Hélène escolheu ir para a Noruega. Porquê este país e não outro qualquer?


E. A.– Pela sua luz. Na Noruega, no Verão, não há noite. A luz nunca se apaga. Isto pareceu-me um diálogo interessante com um livro que tinha lido, The Near-Death Experience, que reúne testemunhos de pessoas que experienciaram uma morte médica. Todos eles falam sobre esta luz no momento de deixar o mundo, e de formas brancas. Durante as filmagens na Noruega, tentei encontrar uma luz que evocasse isso, esta revelação ligeiramente mística. Ao mesmo tempo, quando Hélène lá chega, a luz é tão forte e omnipresente que a agride, impedindo-a de dormir. É uma experiência que, à partida, parece hostil e desagradável. Queria também filmar esta natureza crua.


 – O que é que esta natureza lhe permite, no fim de contas, contar?


E. A. – Permite contar a história de algo maior que nós próprios  – maior que Hélène e a sua doença. Esta natureza é impressionante e intemporal. Parece indiferente. No meio dos fiordes, tornamo-nos humildes.


 – Pode falar-nos da doença de Hélène? Há aqui uma metáfora mais existencial?


E. A. – A Hélène sofre de uma doença rara chamada fibrose pulmonar idiopática. Os pulmões endurecem e tornam-se menos elásticos, até que o ar deixa de poder entrar e a pessoa deixa de poder respirar. Não se sabe de onde vem esta doença, nem como a tratar. Um transplante pode ajudar durante algum tempo, mas nem sempre. Esta doença simboliza a vida de Hélène. Ela é uma jovem que nunca teve a vida que gostaria de ter tido. Nunca pôde "respirar" como queria, fez coisas pela mãe, pelo marido... Mas, no fim de contas, está a tornar-se cada vez mais claustrofóbica. Consegue respirar cada vez menos. Paradoxalmente, esta doença vai permitir-lhe fazer uma escolha de emancipação. Ao decidir partir, ela começa finalmente a respirar. Torna-se ela própria.


– Mais Que Nunca é também um filme sobre um casal. Tinha o objectivo de contar uma história de amor?


E. A. – Sim. Essa dimensão do filme é muito importante. Não há maior prova de amor do que continuar a amar quando nos separamos. Mathieu, o seu namorado interpretado por Gaspard Ulliel, é para mim o herói do final do filme, porque permitiu que Hélène vivesse o fim da sua vida como ela realmente queria. E mesmo que seja terrível para ele, pode olhar-se ao espelho e dizer: "Fiz o que ela queria". Ele compreende que tem de a deixar.


– No início, porém, ele leva a mal o facto de ela recusar tratar-se…


E. A. – Sim, no início ele é um ser humano que luta pelo que quer. Nós, os vivos, nunca perguntamos aos moribundos o que é que eles pensam. Pensamos que sabemos o que eles querem porque, por puro egoísmo, não queremos que eles partam. Queremos estar presentes até ao seu último suspiro. Muitas vezes, as pessoas à sua volta parecem estar a sofrer quase mais do que a pessoa que está doente, e eles passam o tempo a tranquilizá-las. E isso é muito cansativo. Hélène dedica muita energia a convencer Matthieu, que não a compreende, a tranquilizar os amigos, que andam a pisar ovos, e a animar a mãe, que teve um colapso... A frase utilizada pela personagem Mister, interpretada por Bjorn Floberg, resume tudo: "Os vivos não conseguem compreender os moribundos". 


– É o seu anfitrião norueguês. Porque é que o seu papel é importante?


E. A. – Ele é o "barqueiro". Graças a ele e ao seu blogue, no qual goza com a sua doença e morte, Hélène toma a decisão de partir. Ele próprio viveu um trauma, durante um acidente numa plataforma petrolífera em que trinta e três pessoas perderam a vida. Tem uma forma muito clara e irónica de lidar com a sua situação. Para ele, ninguém pode escolher por nós as condições da nossa morte. Está completamente do lado do livre arbítrio. Permite que Hélène se encontre a si própria, que embarque na sua própria viagem de iniciação, sem nunca a empurrar numa determinada direcção. 


– O que o filme mostra de uma forma rara e poderosa é como um casal pode reinventar-se e resistir à maior de todas as provações…


E. A. – É por isso que existe apenas uma cena de amor, que acontece no final. Hélène e Matthieu estão finalmente no mesmo comprimento de onda. Podem amar-se "mais do que nunca", porque ele aceita finalmente o que ela quer. A sensualidade é finalmente possível entre eles. Nesta cena, estamos o mais próximo possível das suas peles, captamos a sua intimidade carnal e o incrível amor que sentem um pelo outro no preciso momento em que aceitam a ideia da morte e de não terminarem as suas vidas juntos.


– Vicky Krieps está absolutamente incrível no papel de Hélène. Como é que se conheceram?


E. A. – A Vicky é minha vizinha, vivemos a dois minutos a pé uma da outra em Berlim. Conhecemo-nos há quase dez anos. As nossas filhas têm a mesma idade e são grandes amigas. Ela fez uma participação especial no meu filme anterior, 3 Dias em Quiberon, onde fez de empregada doméstica. Combinei encontrar-me com ela um dia num café e, no espaço de uma hora, apresentei-lhe o filme inteiro. No final, a Vicky estava a chorar, e disse: "Não preciso de ler o guião, eu faço-o." E depois apresentou-me ao Gaspard... A Vicky é uma actriz extraordinária. Há algo de tão estranho e intemporal nela. Ela está aqui e já está noutro lugar. Fisicamente, na sua maneira de ser... É simultaneamente sensível e muito forte. Inspirou-me muito. 


– A câmara permite-nos estar muito próximos dela, sem ser imersiva. Como é que pensaram nos enquadramentos?


E. A. – Conversámos muito com o Yves Cape, o director de fotografia. Para nós, o mais importante era dar-lhe espaço e tempo. É uma personagem doente, com falta de ar, que tem de fazer pausas, que tosse, que tem uma voz muito suave, mesmo quando está a dizer coisas terríveis. Precisava de uma câmara calma e próxima para lhe dar esse espaço. 


–  E o resto da mise-en-scène? O filme está mais ou menos dividido em dois, com a primeira parte na cidade e a segunda no campo...


E. A. – Na parte de Bordéus, tentámos criar um mundo muito claustrofóbico, onde a Hélène nunca sai. É tudo filmado em interiores. Pensámos em tudo isto com Yves Cape e Silke Fischer, a directora de arte. Rodámos grande parte do filme em apartamentos, com as persianas fechadas, Hélène deitada na cama, o som abafado da cidade. Ela está presa numa espécie de depressão, porque os vivos não a compreendem, excepto Mister, o blogger norueguês que está a passar pelo mesmo: está vivo e sabe que vai morrer. 
A chegada à Noruega é filmada como um nascimento. As imagens abrem-se. Vicky torna-se muito pequena, misturando-se na paisagem até desaparecer. Deixa-se imergir na água. Torna-se una com a natureza. 


– Há muitas incisões poéticas e aquáticas. Como é que surgiu o motivo da água? É uma metáfora para o quê?


E. A. – Eu chamo-lhes visões. São imagens do seu subconsciente interior que vêm procurá-la. Levam-na para onde ela pertence, para a natureza. Há imagens de imersão, do oceano. O motivo do mar é a viagem crua para o outro mundo. Uma viagem difícil e magnífica. É também um nascimento, quando se emerge do líquido amniótico, apenas para morrer.


– O som também é importante...


E. A. – Nicolas Cantin é um engenheiro de som extraordinário. No final, é um filme muito calmo. Trabalhámos muito na pós-produção. A natureza tem a sua própria linguagem. Demos-lhe espaço. A voz de Vicky é muito suave, quase ofegante, mas também pode explodir num momento de libertação. Chamámos a esta cena "a cena branca", porque todos os sons da natureza são apagados. Tudo está em "mutação", a água, o vento nas árvores, um pássaro que passa – até ele está em silêncio! É como se a natureza se tivesse afastado para permitir que Hélène / Vicky ocupasse o lugar central.


–  Ao mesmo tempo que lida com sentimentos complexos, Mais Que Nunca exala fluidez e simplicidade. Encontrou o ritmo logo de início ou aconteceu mais tarde, durante a montagem?


E. A. – Comecei a montagem em Outubro de 2021. Sandie Bompar, a montadora, chegou ao projecto depois de uma primeira versão, enquanto eu filmava episódios de Killing Eve em Londres. Ela levou o filme para uma narrativa menos convencional. Inicialmente, o meu filme era muito mais explicativo. Não hesitámos em cortar cenas. Foi ela que teve a ideia das colagens para evocar o passado de Mister. 


– Podemos dizer que o seu filme não é uma história de agonia mas sobretudo de emancipação, um filme sobre a liberdade?


E. A. –  Sim, exactamente. É um filme sobre uma mulher que se emancipa ao aceitar morrer como quer. 


– Como disse, grande parte da revelação da heroína é conseguida através da beleza grandiosa da paisagem. É impossível não pensar em Ingrid Bergman em Stromboli...


E. A. –  Esse é um filme que eu e a Vicky vimos muito tarde, pouco antes de começar a filmar. Confesso que nunca o tinha visto e foi o meu assistente Guillaume Bonnier que nos aconselhou a vê-lo. Ingrid Bergman, em Stromboli, é intragável com o marido pescador e com os outros habitantes da ilha, e isso ajudou-nos muito a imaginar uma heroína que não fosse necessariamente simpática, ou politicamente correcta. Hélène, também ela, tem que subir ao seu vulcão... Outro filme que achei muito inspirador foi A Mulher das Dunas, de Hiroshi Teshigahara. Adoro a natureza invasiva que exprime o subconsciente da personagem. 


– A sua belíssima longa-metragem anterior, 3 Dias em Quiberon, também mostrava uma mulher à deriva, sozinha no mar... Tratava-se de Romy Schneider, quando começou a ficar muito doente. Porquê esta vontade de filmar mulheres neste momento das suas vidas, quando parecem estar à beira do desaparecimento?


E. A. – Interessa-me esse momento do percurso existencial de uma mulher, quando ela está a tentar sair desse buraco onde se perdeu. É um momento em que não é compreendida, em que as pessoas estão sempre a dizer-lhe o que fazer. Tem então de encontrar o seu centro e libertar-se do olhar dos outros, para saber o que realmente quer. Para Romy, isso era parar para estar com os seus filhos, fazer uma pausa. Para Hélène, trata-se de procurar o lugar onde pode deixar-se ir, onde quer viver os seus últimos momentos na terra. Esta viagem é acompanhada de um certo mal-estar. Mas no final há uma luz, uma libertação.


– O filme tem um peso muito grande: é o último papel de Gaspard Ulliel. Como é que se sentiu com a sua morte?


E. A. – Foi terrível. Quando aconteceu, eu e a Sandie estávamos em Berlim, a terminar a montagem. Estávamos tão próximas dele, sempre com a sua imagem o tempo todo. No dia do seu desaparecimento, tive uma última conversa com ele através de mensagens. Durante as filmagens, Gaspard partilhou sempre comigo as suas dúvidas; tinha medo de não ter estado tão bem no filme quanto gostaria. Era tão perfeccionista! Era um actor exigente que tinha muitas dúvidas sobre si próprio, sobre a personagem, sobre o filme talvez. Disse-lhe naquela mensagem de voz que estava muito contente com o filme, com ele, e com a química que tinha criado com a Vicky.


– No último plano do filme, é ele que desaparece a bordo de um barco. Ficamos tão comovidos, de tal forma parece ser um prenúncio…


E. A. – Esse final era muito importante. Preparámo-lo muito cedo. Não queria que fosse melodramático ou demasiado distante. Queria que fosse emotivo mas, no final, luminoso. Ele parte num barco e ela fica em terra. Estou sempre a pensar no Gaspard. Penso em como ele estava feliz durante as filmagens. Por causa da pandemia, a equipa francesa éramos um grupo muito pequeno, em quarentena na Noruega num lugar absolutamente mágico, e juntávamo-nos ao ar livre, passando o tempo de manhã à noite no meio dos fiordes, dando passeios, andando de caiaque, comendo, ensaiando e dançando. Gaspard era diferente do homem que era em Paris. Estava sempre a brincar. Ele e Vicky eram tão próximos. Era maravilhoso.


[Entrevista de Emily Barnett para o dossier de imprensa do filme. Tradução de Rebeca Csalog]

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