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Sol Cortante Soleil Battant

Um filme de Clara e Laura Laperrousaz com Ana Girardot, Clément Roussier, Óceane e Margaux Le Caoussin, Margaux Le Caoussin, Teresa Madruga, Paulo Calatré, Agathe Bonitzer

Nas férias, Gabriel e Iris regressam a uma casa de família, em Portugal, com as suas filhas Emma e Zoe, gémeas irresistíveis de seis anos de idade. No coração de uma paisagem solar, entre banhos de rio e o riso das suas filhas, o passado do casal ressurge.

2017 | Portugal, França, Portugal, França, Portugal, França | M/14 | 95 min. | Drama | Longa-metragem

Festivais e prémios

Tallinn Black Nights: International premiere

Special Prize of the Jury for Directing


Festival Indépendance(s) et création d'Auch

Premiere


ARTEKINO Festival

Competition


LEFFEST - Lisbon & Sintra Film Festival

Selecção Oficial

Actores e ficha técnica

Ana Girardot

Clément Roussier
Óceane e Margaux Le Caoussin
Margaux Le Caoussin
Teresa Madruga
Paulo Calatré
Agathe Bonitzer


Argumento e Realização - Clara e Laura Laperrousaz
Director de Fotografia - Vasco Viana
Música - Giani Caserotto
Montagem - Nicolas Desmaison
Consultores de Guião - Paulo Mil Homens
Montagem de Som - Rémi Durel
Misturas de Som - Julie Tribout
Assistente de Realização - Dino Estrelinha
Direcção de Arte - Isabel Branco
Guarda Roupa - Valérie Cabeli
Produção - Ana Pinhão Moura e Daniela Leitão (Portugal)
Coordenador de Pós-Produção - Raoul Peruzzi
uma produção - Alfama Films
em associação com - Leopardo Filmes
com o apoio - CNC
com o apoio - CNC, Câmara Municipal de Serpa
com o apoio - Câmara Municipal de Serpa


Vendas internacionais e festivais: Alfama Films


Nota de intenções

A origem do filme

Sentimos uma vontade imensa em fazer este filme para podermos falar sobre os problemas de uma família afectada por uma tragédia. Decidimos, no início da escrita, ocupar-nos disto, com a seriedade que este assunto implica, colocando-nos no nosso ponto de vista, partindo da nossa própria vivência, do nosso íntimo, do que conhecíamos bem; do que poderia representar para as crianças o facto de, antes delas, haver um passado familiar, isto pareceu-nos mais interessante em vez de começar a história antes do nascimento das gémeas. Por esta razão, estamos muito ligadas ao princípio da circulação do ponto de vista deste filme. Escolhemos quatro personagens principais: duas meninas e os seus pais. Queríamos compreender as falhas, os desejos e os medos que os animam. Tentámos explorar a singularidade de cada membro da família.


O éden e depois a queda
Escolhemos rodar o nosso filme num Éden real para torná-lo depois no lugar da queda. O cenário é idílico e selvagem. Iris, Gabriel e Zoe estão imersos num calor que lhes traz um rapport sensorial; o corpo, os elementos — dançam, brincam no rio, caminham ao entardecer, respiram, abraçam-se. A languidez e a alegria vão alternando enquanto a ferida reabre, infunde e vem assombrar cada uma das personagens. Os sintomas, as tensões e o desconforto estalam com a cumplicidade do calor do Verão português. Sol Cortante mostra a queda e a reconstrução de uma família. É um filme sobre o impulso vital, luminoso pleno de amor.


Co-realizar
Trabalhar a duas mãos sempre nos pareceu inevitável. Partilhamos a mesma visão desde o início do projecto e durante todo o processo de produção. Temos um forte entendimento uma da outra, as mesmas referências e um laço afectivo que nos permite comunicar quase sem falar; temos intuições comuns no plateau sem ter de competir ou lutar, o    que é uma economia valiosa de tempo. A distribuição das tarefas é equilibrada, tanto uma como a outra podem decidir quem fala com os actores, com o operador de câmara, com o maquinista no fim de uma cena, sabendo que o discurso usado será o mesmo e que não é uma repetição, mas uma maneira de aprofundar uma ideia, um desejo, uma intenção. Temos também as mesmas obsessões e o facto de sermos irmãs permite-nos e autoriza-nos a exigir muito uma da outra na incessante procura das melhores ferramentas para contar uma história.


Portugal e a referência ao Western
O lirismo dos grandes espaços

Apesar de a decisão de filmar em Portugal ter acontecido mais tarde, foi uma decisão particularmente importante para nós. Sentimos que este país nos “subjugou” pelo coração. Escolhemos reescrever o cenário para fazer do retorno das raízes do pai a descoberta de um país para as gémeas. O corte de Gabriel após o acidente é o que de violento uma terra estrangeira pode ter para ensinar às suas filhas. Isso parece-nos reforçar a narração e dar profundidade ao passado desta família.


Teresa Madruga
Convidar Teresa Madruga, a actriz de A CIDADE BRANCA, TABU ou AS MIL E UMA NOITES, Vol. 2, O DIA DO DESESPERO tem muitíssima importância para a nossa cinefilia. Há muito que temos uma enorme admiração por ela. Isto veio inscrever-se como uma feliz coincidência na nossa busca pelo sentido, justiça e relação com o Alentejo. Não apenas por ser ela de lá mas também pela questão da pronúncia. Da mesma forma, a sequência de músicas tradicionais a capella nasceu de uma cena que aconteceu durante um almoço e que nos emocionou tanto que nos “revirou as tripas”. Foi impossível deixarmos o Alentejo sem prestar homenagem àquelas vozes que imaginámos imediatamente numa sequência para o filme. A nível visual, a referência ao western foi decisiva, especialmente na escolha do décor. Quisemos dar a este drama familiar uma dimensão de filme de paisagem.


A beleza solar também tem uma carga inquietante. Todas estas paisagens carregam em si uma dramaturgia e uma simbologia que joga com as personagens. Optámos imediatamente pelo cinemascope, pela sua capacidade de captar a vastidão selvagem das planícies e vales do Alentejo que esmagam e engolem os homens. Os elementos decorativos também são marcados por essa influência. O exterior tem o portão de ferro azul, a cadeira de baloiço no alpendre, o curral com os cavalos, o gado. O interior tem a lareira com troféus de caça, os cobertores castanhos e as armas penduradas por toda a casa. A nota western também se encontra no lado Technicolor do filme. Escolhemos puxar as cores, em termos de contraste e saturação, mas também de brilho. Queríamos ter uma imagem quente, calorosa, mesmo que no exterior ela amaciasse os tons de pele.


Foi um prazer cinematográfico, pensar no filme A DESAPARECIDA para construir a sequência em que as silhuetas escuras de Iris e Gabriel — ocupados a ver as filhas a brincar —, se destacam nas colinas douradas. Trabalhámos muito tempo na montagem, montagem de som e misturas com o Obsidienne Studio, que já tinha acompanhado a nossa última média-metragem. Conseguimos construir uma linguagem comum, que nos permitiu explorar o sensorial e o selvagem do filme e de fazer respirar esses territórios que as meninas conquistam. A música original, composta por Giani Caserotto, acompanha a passagem dos espaços íntimos aos grandes espaços. Usámos o instrumento emblemático do fado, a guitarra portuguesa, com o seu som cristalino, para tocar os temas principais. O seu som exótico (evocativo da saudade) possibilitou todo um universo acústico da portugalidade do filme. O pingente da guitarra portuguesa é conduzido pela guitarra eléctrica, com distorção e atraso, para conjugar ambos os ambientes, sujidade e peso e, ao mesmo tempo, a ternura e poesia. Gabriel, personagem a quem associamos a guitarra, dá um toque rock ao filme.


A natureza ocupa também um lugar crucial ao longo de todo o filme, acompanhando os protagonistas que encetam relacionamentos profundos e misteriosos. Tornou-se fundamental, para nós, fazer existir esses momentos de comunhão e imersão com a natureza, com sonoridades rasando, por vezes, a estranheza. A música de Eliane Radigue serviu de referência a essas paisagens mentais. O quarteto de cordas e os drones (notas outfit) tornaram o material de som transparente e vivo, os drones acústicos em versões electrónicas. Estas peças, menos estáticas e mais flutuantes, têm a função de libertar a tensão e a emoção em momentos-chave do filme. No fim, as várias intenções musicais acabam por se responder e interpenetrar. Os temas passam da guitarra portuguesa à guitarra eléctrica, a guitarra portuguesa sobrepõe-se às cordas ou associa-se à guitarra eléctrica, evocando, por exemplo, no final do filme, a ideia de reconstrução da família.


Sol Cortante é um drama íntimo para o qual escolhemos pôr em cena uma forma de lirismo. Queríamos que a base emocional ressoasse como um onirismo visual e sonoro. É o caso, por exemplo, da sequência da Ofélia, que tenta conjugar o clímax da trajectória de Iris com uma plasticidade estética. Há um momento específico, para nós, um élan estético, em que Iris e as suas filhas se entrançam com as paisagens onde elas realizam rituais transformados em lugares sagrados para a jovem mulher que lhes dirige orações silenciosas ou feericamente encantadoras para as gémeas. Se estamos somente interessados no real, no visível, no sensual, Sol Cortante é também habitado pelo invisível: vestígios do passado, os seus sintomas e a sua manifestação nas personagens. É um filme sobre um segredo, um filme  assombrado, um filme de fantasmas.


Um filme pictórico, estilizado, mas não ‘desrealizado’


— o trabalho da câmara
No que diz respeito ao trabalho da câmara, algumas coisas foram redesenhadas quando as filmagens, que planeáramos para França, foram mudadas para Portugal. De uma câmara, sempre móvel, decidimos ir para uma mais estável, com movimentos mais lentos, fazendo durar os planos. Integrámos, igualmente, muitos planos-sequência para a narração. O que, na verdade, queríamos era que a câmara fosse orgânica e, por essa mesma razão, após longo período de pesquisa convidámos o operador de câmara Vasco Viana, com o qual construímos uma linguagem bastante sóbria.


Quando os movimentos da câmara se tornam complexos é quase imperceptível. Poderíamos ter utilizado, por exemplo, travellings traseiros combinando-os com panorâmicas, sem isso se tornar perceptível e assim jogar com o inconsciente do espectador para criar tensão emocional. Para a cena em que Iris sai de casa à noite, decidimos que a câmara seguiria primeiro os movimentos do casal, que cruzou a porta,  passando depois para o carro, continuando o plano para a cena em que ela conduz criando assim a sensação de que entramos no carro e no seu desânimo, neste momento muito especial da história. Existem duas cenas que queríamos que fossem filmadas ao ombro, com movimentos vivos, para lhes dar um alívio particular do plano gramatical (quando Iris e Gabriel estão no barco e durante a batalha).


— o claro-escuro
O convite que endereçámos ao Vasco Viana prende-se também com o facto de sabermos da sua aproximação ao claro-escuro em MONTANHA de João Salaviza. Não planeámos construir os exteriores como pinturas, mas trabalhar na escuridão dos interiores, o que confere à imagem o seu lado pictórico. Fizemos algumas cenas nocturnas para tornar a abordagem credível. E, como no Verão, em Portugal, durante o dia as venezianas estão fechadas, para vedar o calor, pudemos seguir e afirmar essa pista estética do filme. Queríamos assumir uma imagem muito estilizada sem, no entanto, a desrealizar ou distanciar o espectador. Queríamos que o rapport com as fontes permanecesse simples e vivo. Houve naturalmente um desejo de oposição e complementaridade entre os exteriores em chamas, na imensidão vertiginosa da luz, e os segredos revelados no íntimo, escuro e protegido do quarto na hora da sesta.


Do mesmo modo, a sequência do scanner e do bloco operatório poderia ter sido tratada de forma mais naturalista, com uma luz cirúrgica e frieza médica; demos como referência de trabalho ao Vasco as telas de Caravaggio, para mergulhar as personagens na sombra e no mistério. O diálogo com o Vasco foi uma grande alegria apesar das muitas e variadas dificuldades que encontrámos numa primeira longa-metragem, com crianças: problemas meteorológicos adversos, uma equipa muito pequena e meios muito reduzidos que dificultavam a mise-en-scène... o Vasco entendeu as nossas aspirações e lutou connosco até ao fim.


Clara e Laura Laperrousaz

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