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"No Interior do Casulo Amarelo" – Entrevista com o realizador Thien An Pham

A Vida Sensível – Entrevista com Thien An Pham


Pode resumir-nos o seu percurso? É um autodidacta?


Sim, aprendi tudo sozinho, a ver filmes e a realizar. Não fiz a escola de cinema, estudei tecnologias da informação antes de começar a trabalhar como videógrafo em casamentos. Na passagem para uma longa-metragem, pôs-se a questão da equipa que me iria apoiar. Para mim é mais importante poder contar com pessoas que me compreendam do que com profissionais aguerridos. A rodagem foi então uma primeira experiência para a maior parte de nós. Nem o meu chefe-operador nem o meu director artístico tinham alguma vez trabalhado numa longa, mas conseguimos compreender-nos perfeitamente. Os cargos de assistentes ou de técnicos foram ocupados por uma segunda equipa, essa sim profissional, ligada a uma agência especializada em publicidade. Eles também estavam, de certa forma, deslocados em relação aos seus hábitos de trabalho.


Esta primeira longa-metragem prolonga a sua última curta Stay Awake, Be Ready.


A sequência de abertura retoma efectivamente o princípio do plano-sequência de Stay Awake, Be Ready. Há certamente uma ligação muito forte entre estes dois filmes, ambos procuram produzir uma imagem viva de Saigão, da sua vida social nocturna, da sua modernidade e da forma como esta se conjuga com a cultura vietnamita, mas a acção não se desenvolve na mesma sequência e o movimento de câmara é diferente. A filmagem da curta-metragem foi um terreno de treino para a longa, pude experimentar o ritmo e o movimento dos planos.


Passada essa primeira sequência, o filme recentra-se em Thien, o personagem principal, também ele videógrafo de casamentos. 


Um videógrafo é um personagem interessante porque observa os rituais da vida à volta dele; ele permitiu-me introduzir no filme a cultura tradicional vietnamita, as cerimónias que ritmam as etapas da vida, como os casamentos ou os funerais. Existe certamente uma ligação entre este personagem e eu, mas é mais ténue do que podem pensar, eu fui videógrafo há dez anos. Este personagem é parecido comigo no movimento que o leva ao mundo rural de onde é originário. Ele abandona progressivamente a vida material de Saigão para regressar às montanhas onde tudo é mais calmo e espiritual. Essa viagem é um regresso ao seu passado. Esse movimento de um sítio para outro revela os fortes contrastes que existem entre as formas de vida em cada um destes mundos, e isso permite ao filme encontrar o seu próprio ritmo. Eu queria que tivéssemos a sensação de entrar numa outra realidade.


Quanto mais avançamos no filme, mais Thien se questiona sobre a sua fé. Quer a entendamos no sentido espiritual ou mágico, a crença constituiu o nó da sua busca.


Na cena de abertura, ele conta aos seus amigos que já não acredita no destino, ele pensa que é uma ideia muito ambígua, isso de acreditar que nada acontece por acaso. Aos meus olhos, é um rapaz aprisionado pelo realismo da vida moderna. O seu regresso à aldeia da sua infância leva-o a reencontrar um certo número de pessoas que lhe falam daquilo em que acreditam. Cada nova discussão aproxima-o da questão da fé, mesmo se o filme não elucida a natureza deste chamamento divino ou místico. Quanto à magia, ela é primeiro que tudo uma paixão pessoal. Eu realizei todas as sessões nas filmagens, sem nenhuma manipulação.


Mesmo na cena da aparição dos peixinhos?


Sim, não adivinha como é que fiz? Escondi-me na cómoda onde estava pousado o recipiente. Fiz um pequeno desenho que utilizei durante a filmagem para explicar o meu truque à equipa. Eu faço magia desde há muito tempo, é uma espécie de hobbie científico. Fui eu o duplo do actor durante as filmagens de todas as cenas de magia.


Porquê essa escolha de filmar uma grande parte das cenas em plano-sequência?


Hoje em dia, o ritmo de montagem é muito acelerado, temos a tendência de saturar os filmes de planos. Eu quis ir contra essa tendência “aceleracionista”, essa estética vazia da velocidade. Para mim, cada corte dilui o filme porque distrai o espectador da essência do plano. O meu filme conta sessenta e sete planos, nada foi deitado fora ou ajustado. Eu montei o que filmei, ou, se preferirem, eu não filmei aquilo de que não precisava na montagem, ao longo de três sessões de rodagem e montagem espaçadas ao longo de três anos. Fui muito influenciado pelos cineastas que admiro: Michael Haneke, Béla Tarr, Theo Angelopoulos, Kenji Mizoguchi, Andrei Tarkovsky, Tsai Ming-liang… Os seus filmes foram a minha escola, abriram-me um horizonte. Com eles, descobri que estava à vontade num cinema que estabelece durações. Os planos longos e os movimentos de câmara lentos permitem ao espectador encontrar o tempo e o espaço necessários para se imergir no ambiente do filme. Ficamos então livres e disponíveis para o que possa vir sem o antecipar.


Os seus planos-sequência deixam também um grande espaço ao que fica fora de campo.


O meu filme presta uma atenção particular à construção do espaço, através do som e do fora de campo, mas também através das panorâmicas e do travelling e dos seus efeitos de desenquadramento. Tentei conceber os enquadramentos como espaços onde o olhar tomaria pouco a pouco consciência do mundo em redor, ao tentar modificar o menos possível o ambiente natural. Fi-lo uma ou duas vezes, por exemplo no fim, quando detectamos em segundo plano as redes de casulos de seda amarela que secam no terraço: aí coloquei deliberadamente esses casulos. Quanto ao resto, tentei sobretudo respeitar a disposição natural dos locais. Tendo crescido nas montanhas, não tinha consciência da beleza da natureza que me rodeava, foi necessário ir viver para a cidade e regressar para prestar atenção às paisagens. Tentei fazer o que podia para garantir que o filme torne possível essa forma de atenção ao mundo.


Entrevista realizada por Alice Leroy durante o Festival de Cannes, a 25 de Maio de 2023
Cahiers du Cinéma, Setembro 2023


Trad. de Rebeca Csalog

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