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Payal Kapadia em discurso directo

Acaba de estrear o formidável ALL WE IMAGINE AS LIGHT — TUDO O QUE IMAGINAMOS COMO LUZ, uma obra vibrante e intimista que nos transporta para os ritmos e texturas de Mumbai, explorando vidas trabalhadoras, paisagens interiores e o invisível que pulsa entre as pessoas. É a estreia na ficção de Payal Kapadia, realizadora que já conquistou o Grande Prémio do Júri em Cannes e que agora é celebrada como uma das vozes mais cativantes do cinema contemporâneo. Ao longo deste texto, partilhamos algumas palavras da própria realizadora, que nos oferecem um olhar mais profundo sobre o processo criativo e os temas que moldaram este filme singular.


Kapadia afirma que sempre se fascinou com o lado não óbvio da realidade: «Eu gosto é da beleza nas coisas que não são consideradas belas. Encontrar essa beleza é a alegria do cinema.» Este fascínio conduz a uma obra que, embora formalmente ficcional, está profundamente enraizada na sua abordagem documental. «Embora ALL WE IMAGINE AS LIGHT seja a minha primeira longa-metragem de ficção, continua a ser muito importante para mim que ficção e documentário consigam coexistir. O que eu tento fazer é abordar a ficção de uma maneira não-ficcional», explica.


O filme acompanha mulheres que deixam as suas casas para trabalhar longe, uma realidade comum mas pouco retratada com esta sensibilidade. Kapadia descreve: «Eu quis fazer um filme sobre mulheres que abandonam as suas casas para irem trabalhar noutro lugar.» Contudo, não é apenas sobre trabalho; é também sobre os laços que estas mulheres constroem. «Eu estava interessada em olhar para a amizade, uma relação que não tem uma definição real. À medida que envelhecemos, os nossos amigos tornam-se num sistema de suporte mais forte, às vezes até mais do que a própria família. Esta era uma relação que eu queria explorar no filme.»


Há também um olhar sobre as contradições da autonomia financeira: «Apesar da autonomia financeira que é possível ter, ainda há laços fortes que ligam uma pessoa à sua família. As famílias ainda controlam regras sociais e escolhas pessoais de quem podemos casar ou amar.» Para Kapadia, o amor torna-se então uma força de resistência: «[O amor é] uma forma de resistência contra a sociedade, mas também é um passo em direcção à escolha das mulheres.»


A realizadora evoca os espaços físicos e emocionais que moldaram a narrativa, desde o quotidiano clínico das mulheres a trabalhar até à mudança de cenários no campo. «Como a segunda parte é em Ratnagiri, a paisagem muda completamente depois da monção. O verde exuberante do campo é coberto por erva seca e a terra vermelha é exposta. O solo vermelho é uma parte integral da identidade de Ratnagiri. Eu queria que essa mudança tivesse lugar para sentir a cor dos dois espaços nas duas estações.»


O processo criativo foi marcado pela abertura à imprevisibilidade. «Quando se faz um filme de não-ficção, podemos filmar, montar, ver o que falta e filmar novamente. Mesmo que não seja inteiramente possível por razões óbvias, eu gosto de abordar a ficção dessa maneira. O elenco traz algo de novo às personagens, as localizações também trazem algo de novo… Por exemplo, durante este processo inicial de montagem, percebi que havia uma relação muito mais forte entre as três mulheres do que eu pensava. Portanto, quis mais dessa relação na segunda parte.»


A relação entre beleza, amor e esperança percorre toda a obra de Kapadia. Ela vê o amor como um tema universal, mas profundamente político no contexto indiano. «[O amor na Índia é] extremamente político. Com quem podemos casar é uma coisa muito complexa. Há a questão da casta, a questão da religião… E todas determinam com quem podemos passar a vida, e as consequências que isso pode ter. O amor impossível, que é um dos principais temas aqui, é muito político.»


Kapadia fala ainda da importância de encontrar alegria e força na colectividade. «Se não tivermos esperança, a vida pode ser muito deprimente», admite. «A esperança está no colectivo.» E também no que não é visível, mas que nos rodeia constantemente: «Sempre que vejo raparigas a trabalhar neste espaço muito clínico mas a enviar mensagens e num mundo completamente diferente… Eu penso sobre todas estas mensagens de amor que provavelmente andam por aí a flutuar à nossa volta enquanto falamos, e nós estamos no meio delas… Há todo um mundo invisível de comunicação.»


O filme, celebrado pela crítica e pelo público, tem sido uma experiência emocional para a realizadora, que partilhou o impacto da sua recepção: «Foi no meu último ano da escola de cinema que o embrião da ideia para ALL WE IMAGINE AS LIGHT se formou. Fui muitas vezes ao hospital por razões pessoais e, por isso, quando chegou a altura de fazer o meu filme de final de curso, senti-me atraída pela ideia de explorar aquele espaço enquanto a principal mise en scène. Mas à medida que fui fazendo pesquisas, comecei-me a sentir sobrecarregada. O filme parecia demasiado assustador. Num momento de precipitação, decidi abandoná-lo.


Alguns anos passaram e deparei-me com o que tinha escrito originalmente e senti-me impelida a reexplorar os temas que me tinham tocado na altura. Embora o material ainda parecesse assustador, segui uma abordagem diária, um passo de cada vez. Desta vez, foquei-me nos momentos menores e nas personagens e, pouco a pouco, a estrutura geral começou a aparecer.


Agora, o filme está terminado. Está no mundo. Muitas pessoas confiaram nele e ajudaram a dar-lhe vida. Vê-lo agora como um filme completo ainda é uma sensação estranha. Ainda sinto que é uma colecção de momentos, sinto a fragilidade dos gestos pequenos.


Num mundo onde o individualismo parece ser a norma, ver um filme numa sala escura na companhia de estranhos é algo de especial para mim. Estou assoberbada com a forma como as pessoas receberam o filme, tanto o público como a crítica. É um filme feito com o amor de muitos colaboradores, ao longo de muitos anos – um filme feito à mão.»


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